domingo, 6 de outubro de 2013

IMAGÉTICA

Cada pessoa é apenas uma gota sobre a esfera terrestre.

Cada pessoa, em seu tempo, será absorvida pelo solo, como uma gota que é.

Pessoas expelem pessoas, como gotas, e a terra absorve pessoas, como gotas.

sábado, 13 de julho de 2013

NEURÓPTERO

Diante à banca de laranjas, lembro que ela costuma escolher, pegar e pesar doze. Estou recém saído do futebol, a quadra fica ao lado do supermercado. Estou suado e de meias, calção e chuteiras. Não é bem um traje comum de se ver alguém trajando em tais lugares, ainda mais desempenhando tais tarefas, mas agora que sou, inclusive, ‘do lar’, digamos que tenho certo estilo ao que se refere conciliar minha vida prévia à atual. Ali, encontro vários conhecidos: homens, mulheres e casais. Uma pessoa se aproxima, é alguém da igreja. A conversa tem início nas formalidades do costume e em seguida adentra pelas atualizações. A pessoa diz que nos visitará. Advirto para que telefone antes, para que nos preparemos. A pessoa faz uma cara que vaga entre a desistência da visita e o não seguir minha advertência e, incógnita, despede-se e parte.

Diante à banca de laranjas, vejo que na maior parte elas estão murchas. Sigo procurando pelas de casca mais fina, comumente as mais caudalosas. Mas é difícil. As que não estão murchas estão feridas. E quem é que me garante que por tais pequenas lesões não entraram ou entrarão microorganismos nocivos ao fruto e, consequentemente, comprometedores da qualidade e do sabor? Uma formiga leão passeia no topo da banca como que vigiando eu e aos frutos.

Diante à banca de laranjas, é cansativo ficar parado e escolhendo, escolhendo e escolhendo entre os frutos que já foram várias vezes preteridos por mãos trêmulas e mãos firmes, mãos limpas e mãos sujas, mãos jovens e bem hidratadas e mãos com dedos nodosos artríticos e ressecados, mãos rústicas calejadas ao cabo da enxada e mãos finas e perfumadas. A formiga leão se coloca de pé e abre as quatro asas como que para intimidar-me. Ela é um neuróptero e seu instinto é predador, essa é sua ordem, sua lei. Compreendo.

Diante à banca de laranjas, não foi difícil chegar à escolha do terceiro fruto, porém a partir dali a coisa foi ficando mais difícil e chata. Da rádio interna do estabelecimento, começou a ecoar um Phil Collins, uma daquelas estoura peito pra quem se alimentou de cultura pop nos anos oitenta, Against All Odds. Lembro de que os últimos dias não têm sido dos mais suaves. A formiga leão me observa enquanto cuida de suas patas com seu aparelho bucal mastigador. Eu preferia simplesmente jogar minha bola e retornar para casa, não ter que fazer compras pensando no que farei para o jantar e simplesmente comer algo preparado por ela.

Diante à banca de laranjas, Phil Collins não dá trégua e a formiga leão me encara insistentemente. Vejo outros conhecidos que passam e acenam. A nona laranja é o marco do final de minha paciência. Não quero escolher mais nada. “Phil Collins, pra com isso, meu!” Não completei a dúzia e quero ir embora. Embora dali com algumas leguminosas, um café solúvel extra forte e nove laranjas. Que a formiga leão fique com o resto da banca e de todas as outras bancas e com o Phil Collins. Eu tenho muito que fazer.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

CARTA ABERTA AO AMIGO ESCRITOR MENALTON BRAFF EM COMENTÁRIO A SUA CRÔNICA “A VOZ DAS ESTATÍSTICAS”

Que misterioso esse seu amigo que já não está neste ou em qualquer outro mundo! Foi a repressão, não? Mas esse seu amigo misterioso era também, com o perdão da palavra e sem intenção de ofender e sim praticar o bom humor, era meio mórbido. Essa tese que diz que a estatística serve para provar que, se um sujeito puser a cabeça dentro de um forno a cem graus centígrados e os pés dentro de um frízer a zero grau, sua temperatura média será de cinquenta graus é assustadora. Contudo os resultados serviriam aos sucessores estudiosos do assunto. Que horror!

Eu também tenho uma biblioteca razoável. Livros que me acompanham pela vida inteira. Vários são de coleções realizadas pelos jornais e editoras. Não sei quantos volumes já acumulo, mas creio estar próximo desses que encorpam este 1% estatístico ao qual o mestre pertence com muito brilhantismo.

É complicado. Se olharmos para a criança, veremos que ela precisa comer. Mas se olharmos com carinho, veremos que, após comer, ela precisa ler. Livro ainda é artigo de luxo aqui. E a educação não deve ser lançada ao lixão.

Abraço, mestre!


sexta-feira, 20 de julho de 2012

O DIA DO AMIGO PÃO COM MANTEIGA

Ah, então é hoje o dia do amigo? Muito bom! Tudo que sei, aprendi com os amigos. Meu pai é meu melhor amigo, e atualmente concorre com meu filho. E em algum momento, que me lembre, até quem não era tão meu amigo, foi meu amigo. Amigos podem ser efêmeros, contudo a consideração sua e deles é o que conta. Você pode ter tido um amigo que ficou lá no início da estrada e, ainda assim, lembrá-lo com respeito em saudade no seu centenário aniversário. Mas, ao menos em minha vida, os amigos de verdade começaram lá nos remotos anos da escola primária, primeira, imberbe, precoce, titubeante, assustadora ‘º~º’ Companheiros ainda não de trincheiras, mas de lancheiras. Que amigo que se preze, amigo legítimo, irmão de fé, esse oferecia um pedacinho disso ou um golinho daquilo que a mãe havia lhe preparado com amor, ternura e carinho. Isso sim é que é demonstração de amizade. Pois se a mãe mandou pro rebento, era por conta de ele gostar muito do dito lanche em questão, amigão. Aí o cara ia, e com a nobreza de espírito e o altruísmo que tem somente essa gente que possui fibra de verdadeiro amigo, lhe oferecia um pedaço. Isso quando não repartia. Repartia sem pesar e, por vezes, até com um discreto sorriso de satisfação. Amigão! Repartir é até um termo já em desuso, esquecido. Hoje dividimos. E dividir é uma espécie de empréstimo compulsório. Você divide problemas, neuras, desabafos, tudo que não presta e lhe incomoda. É pra isso que usamos os amigos. Uma espécie de papel higiênico emocional. Amigo útil é amigo usável. Uma balburdia. Eu tinha um amigo, o Adriano, irmão do Pirata e do Bicudo, ele que, caprichosamente, levava pão com manteiga para os intervalos do recreio. O pão ia embrulhado meticulosamente em um guardanapo de pano, muito alvo, muito limpo. Coisa de mãe mais que zelosa. Eu não levava lanche algum, nem nunca quis um pedaço do pão com manteiga dele, mas ele oferecia. Era aquilo que tinha para o dia, era aquilo que oferecia. Pão com manteiga. E quem é que, em sã consciência, ia querer pão com manteiga, quando havia inúmeras opções mais gordurosas, nutritivas e saborosas? Ele até tinha amigos, mas não interesseiros interessados em seu lanche, não. O pão com manteiga dele era um depurador de suas relações sociais, um divisor entre estes e aqueles outros indesejáveis. Por que, na verdade na verdade, quem é que vai se aproximar de alguém por conta de um lanche de pão com manteiga quando o governo já ofereceu até sopa? Quando os mais abastados podem oferecer um pedaço da dadivosa coxinha de queijo? Quem? Pois eu posso dizer e afirmar, sem qualquer receio de que alguém me constranja me desmascarando em um lugar público ou aqui mesmo, nesta rede social, que sempre fui um amigo verdadeiro. Fui amigo pela amizade, e jamais por conta de um pedaço de lanche. Inda mais um pão com manteiga babado.

terça-feira, 15 de maio de 2012

CORRER COM FRIO É PARA OS FORTES

Cuidava de minha vida, corria após um dia de muito trabalho; ouvia Slayer - Raining Blood, quando terminei o percurso ao qual me propus... Fazia frio e o vento cortante castigaria minhas orelhas, caso não estivesse de touca; a velha touca empoeirada dos outonos e invernos passados Aliás, tanto a touca como a camiseta preta que usei hoje são as mesmas da foto do perfil do twitter, por sinal, realizada na mesma época do ano passado Eu repito roupas, palavras, minha cara; sou praticamente uma nova edição do mesmo a cada ano; a vaidade que possuo é visceral º~º  #eurepitoroupas, mas se você não repete, sorte sua. E corri até o final; correr hoje foi apenas para os fortes... Ferdinando Costacurta, que se diz bom de bola e destemido como poucos, chegou a sair para correr, contudo logo desistiu...  Talvez pelo frio, talvez estivesse com uma cueca rota com elástico frouxo lhe invadindo a fenda glútea, talvez tenha tido uma súbita dor de barriga (quem corre sabe que correr com indícios de dor de barriga é estar no fio da navalha). Talvez Ferdinando Costacurta encontrasse forças adicionais, caso estivesse ouvindo um Slayer - Raining Blood http://youtu.be/7KsPZ1f7MDs como eu. Não sei os motivos do fracasso de Ferdinando Costacurta esta noite, só sei que ele desistiu de sua corrida... Correr, esta noite, foi apenas para os fortes º~º  

domingo, 6 de maio de 2012

NOVO FORAME

O ator e diretor, Urbano Branco, faleceu, aos 45 do primeiro tempo, neste domingo. Ele deixa dois ou três filhos e alguns trocados em cima da televisão. A morte foi confirmada pelo irmão dele. O copo do ator foi encontrado caído com ele perto da cama. Segundo o irmão, o irmão fumava muito, bebia pra caramba e estava depressivo. A caixa preta da vida do ator permanecerá lacrada a pedido dos familiares. O corpo passará por autópsia enquanto o ator permanecerá morto. Ele é suspeito de ter provocado a própria morte. E caso a suspeita se confirme em fato, o ator será indiciado por homicídio doloso. A pena prevista para os casos de auto extermínio vai de um milhão de anos a uma eternidade.

terça-feira, 27 de março de 2012

O CHOQUE

Tomei um choque considerável na campainha. Tudo começou quando dobrei a esquina, correndo, sob forte vento e chuva em diagonal, sob clarões titânicos que acendiam a rua que já tinha metade de sua luz por conta da iluminação pública. Mas antes de chegar à esquina, eu corria para sair da avenida onde corro todos os dias. Por coincidência, meu pai me viu e ofereceu carona. Eu recusei com um vigoroso gesto de siga em frente que não deixou nenhuma dúvida de que eu estava resoluto em seguir enfrentando a fúria da natureza por mais duas quadras e meia. Ele sabe que sou assim, decidido. Deve me achar meio falto de um parafuso, mas isso não importa. Este parafuso nem faz lá muita falta, se é que falta, eu acho. Mas voltando à avenida, eu subia os primeiros canteiros sendo castigado pelas gotas que me faziam procurar por pedriscos para justificar as picadas em minha pele. Tudo debaixo dos clarões intermitentes dos raios que me intimidavam sobremodo, e não vá dizer que não tem medo de raios estando molhado e a céu aberto que eu lhe desminto prontamente. E antes de ganhar os canteiros da avenida, passei grande apuro ao cruzar a rua que fica ao fundo da represa. Nada impedia a saraivada de densas gotas que açoitavam a metade esquerda de meu corpo. Pobre de meu rosto! Ai de minha orelha! Coitado de meu ouvido! Certamente irá inflamar, a não ser que eu pratique alguma profilaxia. Não. Isso não. Auto medicar-se é um crime. Um crime de ignorância e desinformação. Sou um profissional da área da saúde. Como diria o apóstolo Paulo, “nem tudo que posso me é lícito”. No mais, nem posso. Não sou médico. Não farei isso. Acho que não. Não sei. Mas deixe estar o meu ouvido. Que o tempo se encarregue de nossos destinos, meu e de meu ouvido. Voltemos ao fundo da represa. Ou melhor, antes do fundo da represa, quando eu fazia a curva ao pé da enorme, gigantesca arvore que ali habita. Creio seja uma farinha seca. Assim chamamos àquela espécie por aqui. Senti uns pingos esparsos. Um aqui, outro ali. O céu estava mesmo carregado por nuvens densas e com uma cor cinza escura muito sombria. Mas quem é que sabe o exato momento em que cairá uma chuva? E eu bem que desconfiei. Antes de estar ali, naquela situação chuvosa, eu descia velozmente a avenida que leva à represa. Seria perfeito, caso a chuva retardasse em aproximadamente quarenta minutos sua queda. Ao colocar os pés na rua, intuí que teria que ser rápido como um Pégaso. E antes mesmo de colocar os pés na rua, eu já me vestia apressado. Tinha pressa assim que cheguei do trabalho. O céu estava muito perto do chão. Temi. O céu assim tão perto do chão pode não ser um bom sinal. Alguém pode acabar subindo. Há sempre o risco quando o céu está tão baixo. Era o crepúsculo do pós dezoito horas em início de outono. Cheguei a comentar que iria dar uma corrida rápida, e com sorte voltaria antes da chuva. Minha irmã estava aqui em casa, fez cara de dúvida, fez cara de incerteza, fez cara de incerteza misturada com dúvida. Fez uma cara de que não sabia se eu venceria ou se venceria a chuva. Mas eu já estava decidido. Não haveria cara de dúvida com incerteza, ou cara de chuva que me dissuadiria de meu propósito. E meu propósito era correr. Corri quase nada. Dos quarenta minutos planejados, corri apenas uns quinze. Correria mais mesmo sob vento e forte chuva, caso não fosse os relâmpagos. O problema é que tenho medo de relâmpagos. Tenho medo de tudo que é modalidade de choque. E eu estava encharcado ao chegar diante do portão de casa. E eu quase fiquei grudado ao apertar a campainha. Como disse no início deste, tomei um baita choque “º~º”